Um breve retrato da visita ao país da gigante Chery


Vista com preconceito no Brasil e em todo o Ocidente, a China tem hoje tecnologia de ponta. Conquistada pela cópia de produtos estrangeiros, adquirindo know how ou com desenvolvimento próprio, o fato é que aqui se fabrica hoje produtos de alta tecnologia e que são vendidos em todo o mundo.

Não tente entender a China na primeira visita que fizer ao país. Nem na segunda. Muito menos faça qualquer julgamento apenas com base no que ouviu ou leu. É preciso compreender a sua história milenar, sua cultura e costumes, e, principalmente, estar desprovido de preconceitos. Certamente Tom Jobim não conhecia a China quando cunhou a frase “O Brasil não é para principiantes”. A China vai muito além.

É difícil entender o sistema de governo, como a sociedade se organiza e como existem milhões de milionários num regime comunista.

Do ponto de vista comercial, de como o Brasil, por exemplo, pode aproveitar o avanço tecnológico do país para construir parcerias, é preciso saber que a China, hoje, é um formidável centro de desenvolvimento em todas as áreas do conhecimento.

Não, não é o imposto baixo, nem a suposta mão de obra barata que deixam os carros chineses custando bem menos que no Brasil. Muito menos a pretensa baixa qualidade.

Em relação à qualidade, a China está no topo. Produz em condições de igualdade aos países mais tradicionais. Até porque é acionista – ou simplesmente adquiriu – algumas das mais importantes marcas de veículos do Ocidente. Copia, mas também contrata os melhores designers do mundo para desenvolver os seus carros e domina a tecnologia, como se confirma na produção de carros elétricos, assim como na tecnologia de célula de combustível e no carro autônomo, cujo protótipo do nível 3 avaliamos em Wuhu, a sede da gigante Chery, a convite da CAOA Chery.

A média salarial do empregado chinês na indústria automobilística é de Y$ 6 mil, o equivalente a R$ 3.600,00 por mês; o imposto principal é Imposto de Valor Agregado, de 15%, sendo que o percentual médio para atividades empresariais é de 20%, além de outras taxas e contribuições, como o imposto de renda corporativo.

Ao contrário do que se pode supor, a China é um país com enorme diversidade: tem 22 províncias, regiões com características próprias, algumas delas autônomas, situações econômicas e políticas diversas, minorias étnicas e com legislações e cenários tributários diferenciado.

Tirar uma carteira de motorista nos rincões da Mongólia não deve ser uma tarefa difícil, nem custará uma pequena fortuna como em Xangai, uma das cidades mais poluídas do mundo por causa do alto número de veículos circulando nas ruas e nas vias elevadas: as ruas em Xangai são construídas em andares,  em alguns lugares são três ou quatro vias que se sobrepõem.

A licença para dirigir na terceira maior cidade do mundo (25 milhões de habitantes) pode custar até Y$ 100 mil, ou R$ 60 mil, mas para isso é preciso ser morador da cidade há pelo menos cinco anos. Mesmo preenchendo esses requisitos, o motorista tem circulação limitada. Não pode, por exemplo, rodar nas vias elevadas que cortam a cidade de norte a sul, de leste a oeste e que muitas vezes são a única opção para o deslocamento de um bairro a outro na metrópole. A matrícula para dirigir não dá direito ao uso das vias elevadas; para rodar ali é preciso uma licença especial, que pode custar outros Y$ 100 mil.

Nem após a morte o chinês para de pagar imposto. A taxa de uma tumba nos cemitérios de Xangai é de Y$ 200 mil (R$ 120 mil) válida por 20 anos.

Yan Yan, a Sofia: multa por existir

A nossa guia, Yan Yan, que adotou o nome ocidental de Sofia, pagou um taxa anual durante 18 anos por existir. Isso mesmo: Sofia é a segunda filha de pai que tem irmão, portanto, não poderia ter nascido. Só a família cujo pai é filho único pode ter dois filhos. A mãe poderia ter optado pelo aborto, que é legal: até três meses de gestação o aborto pode ser feito com uso de medicamentos e dos três aos seis meses com intervenção cirúrgica.

Mas uma vez nascida, tem que pagar a taxa, cujo valor e período variam de acordo com a cidade ou região. Claro que ter mais filhos não é proibido, mas é proibitivo: os filhos além do previsto pela legislação são um fardo para a família, porque não têm assistência do governo nem estudos garantidos. Tudo aqui tem taxas, impostos e exigências.

O ônibus que nos transportava foi obrigado a dar uma longa volta para não parar na via para os passageiros descerem, o que causaria uma multa de três pontos na carteira. Com 12 pontos a autorização para dirigir (aquela que custou R$ 60 mil) é recolhida.

Num acidente de trânsito, todos são responsáveis, mesmo a parte que não tem culpa. Ao se envolver numa ocorrência, o motorista tem que pagar, no mínimo, 15% do eventual prejuízo. Isso pode parecer injusto, mas tem lógica: incentiva o cuidado com a direção, considerando ações dos outros e não apenas a sua, característica da direção defensiva, onde o motorista deve ficar atento a tudo o que ocorre a sua volta e não apenas na condução do seu carro.

Não credite essas excentricidades ao regime comunista. A organização e o controle social necessários para administrar a vida de 1,5 bilhão de pessoas não foram inventados por Mao Tse Tung.

País de história milenar, a China viveu poucos anos sob o sistema que o Ocidente chama de democracia; historicamente, foi apenas um breve hiato entre o império (derrotado em 1911 com o fim da Dinastia Manchu) e a revolução comunista de 1949.

As restrições no período anterior eram muito maiores: o povo não tinha direito nem mesmo de usar cores dos imperadores, vermelho e dourado.

Na atual visita, andei por uma semana em Xangai. Na minha primeira viagem ao país, perambulei por várias cidades durante 35 dias. Foi há 20 anos; não vi uma pessoa pedindo esmola ou dormindo na rua, ao contrário da Índia, país com dimensões e população semelhantes, onde a miséria é latente.

Sim, há pobreza na China, especialmente nos rincões, em comunidades rurais. Calcula-se que 5% da população (82 milhões de pessoas) vive com menos de U$ 1 por dia, limite para a caracterização do nível de pobreza. De qualquer forma, um índice percentualmente inferior ao dos Estados Unidos, onde 13% da população (41 milhões de pessoas) vive na pobreza.

Yan Yan, a Sofia, paga Y$ 3.500,00 de aluguel por mês no apartamento que divide com seu companheiro em Xangai, mas só ele tem Seguro Social; ela só vai conseguir o benefício quando completar 15 anos de moradora na cidade: faz só cinco anos que deixou a casa dos pais, em Pequim, eles têm uma loja de frutas e verduras. Pagou Y$ 800 mil pelos estudos universitário.

Sofia lembra que a China mudou desde que, há oito anos, foi aberto o mercado. Criou-se milionários, donos de carrões de luxo. Não é raro topar com um Rolls Royce na rua ou estacionado em frente a restaurantes de luxo.

Mas segundo Sofia, o acúmulo de capital é restrito. A propriedade privada é controlada; a pessoa paga 30% de imposto na compra do primeiro imóvel; 50% no segundo e 100% a partir do terceiro. E não pode comercializar; tem o usufruto por 70 anos.

A gigante chinesa

A Chery é a maior montadora de veículos automotores da China, com três unidades de negócios: carros de passeio, veículos comerciais e minivans, que somam 7,2 milhões de unidades rodando em vários países.

Todas as seis fábricas da empresa na China estão localizadas na cidade de Wuhu, com capacidade total de 900 mil unidades por ano. A empresa tem outras dez fábricas no exterior, com 30 mil funcionários em todo o mundo e centros de pesquisa e desenvolvimento na Europa, América do Norte, Brasil e Oriente Médio, além da China.

Tiggo elétrico 3XE

É o maior exportador de veículos do país, com 1,4 milhão de unidades entregues em 80 países. O Brasil é um dos mercados mais expressivos da marca, ao lado de Rússia, Chile, Argentina, Peru, Venezuela, Uruguai, Egito, Arábia Saudita e Ucrânia

Foi a primeira montadora chinesa a investir na tecnologia de carros elétricos e até o ano passado tinha produzido 91 mil unidades.

A perspectiva para 2019 é produzir no total um milhão de veículos e exportar 200 mil.