Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

O processo de desindustrialização no Brasil tem, entre as causas principais a globalização e o avanço da tecnologia. A primeira Revolução Industrial deu origem à fábrica e à classe operária. Varreu o sistema doméstico ou artesanal de produção, provocou o êxodo rural, povoou as cidades e converteu o velho camponês em operário assalariado.

Hoje o fenômeno é de outra natureza. O operário trocou o macacão sujo de graxa pelo jaleco azul. A alpargata pelo calçado. A marmita pelo refeitório. Fomos privilegiados assistentes do desembarque das indústrias automotivas na década de 1960. Testemunhamos o avanço da globalização, da informatização, da robotização, do microcomputador, da telefonia celular, do drone, da inteligência artificial. Estamos presenciando a troca de motores a combustão interna por propulsores movidos a eletricidade.

A implantação da indústria automobilística no Brasil revolucionou a economia e expandiu o até então reduzido mercado de trabalho. Pela facilidade de acesso ao porto de Santos, a região do ABCD foi eleita para receber as primeiras empresas. Em breve espaço de tempo ali se instalaram a General Motors, a Ford, a Volkswagen, a Mercedes Benz, a Renault, a Toyota, a Scânia Vabis. A Fiat chegaria anos depois, dirigindo-se a Betim, no interior de Minas Gerais.

Com a demanda interna reprimida por dificuldade de importação e o mercado protegido por elevadas barreiras alfandegárias, a produção tomou ritmo acelerado. Devido à escassa de mão de obra na região, passaram a ser recrutados trabalhadores de todas as regiões do País. Em pouco tempo eram produzidos automóveis, caminhonetas, caminhões, ônibus, e máquinas agrícolas. O insaciável mercado exigiu novas modalidades de comercialização. Surgiram consórcios e vendas a longo prazo, destinados a atender pessoas de médio e baixo poder aquisitivo. No espaço de poucos anos a indústria automotiva, de autopeças, de componentes elétricos, de pneus, gerava milhões de empregos diretos e indiretos e se tornava a principal pagadora de impostos aos Estados e à União.

O apogeu da indústria automobilística se deu no período compreendido entre 1960 e 1980. Como nossos vizinhos, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Chile revelaram-se bons importadores. Nos últimos anos, porém, a globalização e o avanço tecnológico impuseram radicais mudanças nas indústrias montadoras. O ingresso da Coreia do Sul e da China no cenário internacional afetou o parque industrial brasileiro que, para sobreviver e voltar a crescer, necessita se reinventar e se reestruturar. Nos últimos meses deixaram de operar a unidade da Audi, em São José dos Pinhais, a Mercedes Benz situada em Iracemápolis e a centenária Ford em São Bernardo do Campo.

A história econômica dos países que adotam o regime da livre iniciativa está povoada de sucessos e fracassos. Durante o regime militar o Brasil ocupou o oitavo lugar entre os países desenvolvidos. Neste momento, porém, a situação é de profunda crise. Há em curso processo de desindustrialização que nos últimos seis anos determinou o encerramento de atividades de pelo menos 17 empresas por dia, como noticiou o jornal O Estado de S. Paulo (Economia & Negócios, 17/1, pág. B1). Reproduzo da matéria o seguinte trecho: “Há seis anos consecutivos, desde a recessão iniciada em 2014, o Brasil vê o número de indústrias no território nacional cair. No ano passado, 5,5 mil fábricas encerraram as atividades. Ao todo, entre 2015 e 2020, foram extintas 36,6 mil. Isto equivale a quase 17 estabelecimentos industriais exterminados por dia”.

O fechamento de empresas e a redução de atividades resultaram em 14 milhões de desempregados, que buscam sobreviver como autônomos ou na informalidade. De onde surgiram? Não apenas do setor automotivo ou de autopeças. Vieram de micro, pequenas, médias e grandes empresas, nacionais e multinacionais. Forçado pela necessidade, o Banco do Brasil fechou agências e implantou Plano de Demissões Funcionários (PDV).

É impossível obrigar alguém a contratar e a manter inalterável o número de empregados. Quando o empregador é afetado pela posição negativa no mercado e se sente necessitado de encerrar ou reduzir as atividades, não haverá como impedi-lo. A Ford no Brasil não se renovou e perdeu capacidade competitiva. Os veículos aqui produzidos não tinham compradores e lhe não interessava fazer investimentos inovadores em país caracterizado pela insegurança, há mais de três décadas em crise.

É lamentável que tenha acontecido, mas a solução para o problema do desemprego não está na estabilidade coercitiva, mas na firme retomada o desenvolvimento.