A múmia e os piures de Caleta Camarones

Os ventos alísios levaram os Honda WR-V para casa de Luis Mondaga em uma vila de pescadores no norte do Chile

O mar exerce um fascínio sobre Amyr Klink. A constatação é óbvia, mas fica ainda mais evidente quando sopram os ventos vindos do oceano e o aroma da água salgada dá as caras. Os mais atentos perceberão que parte do roteiro inicial traçado para esta jornada entre o Atlântico e o Pacífico mudou. Há dois dias, quando jantávamos emSan Pedro do Atacama, o navegador veio com a ideia de deixar as alturas e descer de uma vez para o nível do mar.

Argumentos à mesa, não teve jeito. Saímos das montanhas e baixamos para a praia. Deixamos atrações como a Reserva Nacional de las Vicuñas para a próxima e ancoramos em Iquique, cidade de 200 mil habitantes, que se espreme entre uma enorme duna de areia e o Pacífico. Na noite de ontem, 21h30, todos cansados, Amyr fez questão de ir tocar no mar antes de estacionar no hotel. Foi até um canto da praia, no escuro, estacionou o WR-V, desceu as pedras e colocou as mãos na água. Só depois seguiu para o hotel. Coisa de louco.

Estava em casa. Hoje de manhã, foi com Joel Leite ao mercado municipal da cidade, onde observaram os peixes de cada barraca, compraram frutos do mar, alimentaram lobos-marinhos… Pareciam criançasem parque de diversões. E antes de seguirmos viagem rumo norte, Amyr passou novamente no mar. De pé, parecia carregar a bateria, enquanto olhava gaivotas e pelicanos flanarem sobre as águas do Pacífico.

Hora de deixar Iquique. A estrada sobe pela montanha que espreme a cidade contra o mar. Lá de cima avista-se uma imensa duna de areia, intrusa na paisagem urbana. Com quatro quilômetros de extensão e 220 metros de altura, a montanha de areia chamada El Dragon, domina a paisagem. Estranho. Rapidamente, pela Ruta 5, após um ziguezague pelas montanhas, tudo vira deserto de novo. Começam aquelas retas como as de ontem e em seguida longas descidas antecedidas por placas para que os freios sejam testados e pontuadas por saídas de emergência para eventuais perdas de freio. Os WR-V e as X-ADV se divertem. Firmes nas curvas, fortes nas ultrapassagens, seguros nas frenagens. Paramos para comer algo rápido na estrada. A placa dizia empanada de camarão, mas veio um pastel frito de queijo com um camarão pequeno.

Um vento forte sopra incessantemente, exigindo perícia dos pilotos das motos, Líbera Costabeber e Marcelo Leite. Contornamos uma montanha enorme na encosta de um vale monumental. Reta vai, curva vem, Amyr, marujo experiente, solta mais uma daquelas. “São ventos alísios. Se entramos a esquerda vamos chegar no mar. Tem uma vila chamada Caleta Camarones. Vamos arriscar?” E lá fomos nós para a tal Caleta Camarones por uma estradinha sinuosa entre montanhas de altura assustadora para uma região tão próxima da costa. A primeira impressão não agradou. Caleta Camarones é uma vila bem simples, casas de madeira, teto de zinco, ninguém na rua. Mas após passarmos essa área “urbana”, onde vivem três dúzias de famílias de pescadores, encontramos Luis Mondaga no cais.

O pescador tinha acabado de voltar do fundo do mar. Trazia um balde cheio de piure. Espécie de marisco de cor alaranjada e consistência esquisita. Os olhos de Amyr brilharam. Logo os dois engataram um papo – sobre o piure, sobre o mar, sobre barcos, sobre facas, sobre a vida. Luis, 63 anos, mesma idade de Amyr, abriu um monte de piures. Joel chegou com mais meia dúzia de frutos do mar comprados no mercado de Iquique. Estava pronto o piquenique improvisado na caçamba da picape vermelha de Luis.

Ao longe, pelicanos, gaivotas e outros pássaros davam show diante de uma espécie de moai de cinco metros de altura. Mergulhavam como mísseis no mar e retornavam com um peixe no bico sob o olhar da estátua que representa múmias da cultura chinchorro encontradas por ali e expostas no museu de Arica. Ao nível do mar, Amyr está nas alturas. Feliz a ponto de presentear Luis com sua Opinel, faca de estimação usada, segundo Amyr, pelos navegadores e alpinistas da Bretanha e que ele havia acabado de amolar no mercado municipal de Iquique.

Amyr presenteou Luis também com um de seus livros e com uma camiseta da jornada Pro Outro Lado da América. Nem precisava nada em troca – os piures recém-pescados, a conversa na beira do mar, o astral de Luis e suas histórias não têm preço. Mas o pescador fez questão de ir à sua casa e pediu para o navegador escolher um regalo. Insistiu. Fã de Guerra nas Estrelas, queria dar uma máscara do Darth Vaider, mas Amyr acabou levando um dos troféus conquistados por Luis em torneios de mergulho na costa chilena.

A próxima cena da viagem se passa na fronteira Chile-Peru e é um pouco mais chata que essa. É documento que não acaba mais, é vistoria na bagagem, é carimbo… Foram quase duas horas de burocracia. Demorou tanto que o plano inicial de chegar à cidade de Ilo mudou. Paramos em Tacna, mais perto. Jantamos no hotel. Felizes, cansados e com um troféu, dormimos cedo.

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Fotos: Érico Hiller