Protestos, perseguição, pelicanos e Pet Shop Boys

 

Trajeto: Tacna (Peru) – Arequipa (Peru)

Terreno: asfalto

Temperatura: 9°C a 23°C

Altitude:  562 a 2.335 metros

Entre uma divertida batida policial e motoqueiros mascarados, nos divertimos no frenético porto de Ilo e com a serena companhia do Pacífico

O primeiro momento digno de nota no 15º dia da jornada Pro Outro Lado da América deu-se 45 minutos depois da saída de Tacna, onde pernoitamos e onde nada conhecemos. Pegamos a estrada sentido litoral para iniciarmos nossa viagem rumo norte pelo Peru e logo fomos parados por um comando policial em uma vila chamada Villa Villa na beira da praia. Um alto-falante portátil, com fio meio improvisado, tocava rock’n’roll em volume de casa noturna – em 15 minutos, ouvimos Bee Gees, Genesis e Pet Shop Boys. Os policiais, nem tão uniformizados, fizeram o trabalho de forma perfeita, mas descontraída, quase como se estivessem na praia.

Perguntaram sobre a viagem, sobre o carro – queriam saber do motor, do consumo, do preço. Responderam de forma bem humorada as perguntas sobre o espetáculo que acontecia diante dos nossos olhos: milhares de pássaros brancos e pretos tomavam conta da praia, organizando revoadas e pousos diante do Pacífico. Na verdade, não souberam responder muita coisa sobre as aves. Pareciam não se importar. Mas disseram que se tratava de um fenômeno migratório que acontece uma vez por ano. Lembravam o exército de Brancaleone.

Distribuímos bonés do nosso uniforme e seguimos em frente beirando o Pacífico pela rodovia Pan-Americana. Quando não há nenhuma vila feia para atrapalhar, o visual das falésias caindo no mar e as revoadas gigantes impressiona. Amyr avisa pelo rádio que em dois quilômetros chegaremos ao cruzamento da Pan-americana com a Interoceânica, estrada que nasce em Assis Brasil, no Acre, e desemboca 2.600 quilômetros depois, no Pacífico, próximo à cidade de Ilo. O navegador faz questão de parar nessa esquina importante do mundo. E brinca com uma bolinha de ferro, munição de canhão, que encontrou na beira de uma estrada chilena dias atrás. O momento é de descontração: Joel Leite e Fabio Prado, o editor dos vídeos, brincam – jogam um para o outro uma argola encontrada no chão. Foi daqueles momentos leves de uma viagem longa.

Almoço em Ilo. A cidade surpreende. É domingo e o importante centro financeiro do sul do Peru alterna famílias tomando sorvete na praça com uma atividade frenética no porto. Anchovas, corvinas, polvos e lulas gigantes chegam por todos os lados e são preparados para ganharem as mesas da América do Sul. O passeio pelo porto lotado, em meio a gritos de trabalhadores, pelicanos e lobos-marinhos em busca de pesca fácil, fascina Amyr e Joel. “Nunca vi um porto com tanto movimento. Ainda mais em um domingo”, diz Amyr. Joel brinca com os pelicanos e delicia-se com o momento.

Com os WR-V estacionados, entramos no Flor del Mar para comer um ceviche. Por 12 soles, cerca de 15 reais, leva-se uma bela porção saborosa de peixe temperado. Por 20 soles, acompanha uma generosa porção de arroz com marisco. A Inka Cola, com seu amarelo gritante e altas doses de açúcar, teve boa saída. Outra dica de restaurante é o El Peñon, onde almoçaram Líbera Costabeber e Marcelo Leite, os pilotos das motos – nos desencontramos em algum momento da estrada e nos revimos em Ilo.Para evitar a noite, eles vão embora mais cedo.

Seguimos logo depois e de cara encontramos pedras em vários pontos da estrada. Pedras enormes, do tamanho de um micro-ondas, de uma máquina de lavar. Perigoso à beça. Tudo indica, caíram das encostas que beiram o caminho – mas pode não ser isso. Antes de a luz descer de vez, dá tempo para uma parada diante do Pacífico em um local onde pedras brancas e cactos gigantes e verdes deixam tudo mais bonito. Tudo seguia bem para a nossa chegada em Arequipa, mas já à noite, em uma pequena vila no vale de Tambo, várias barricadas fecham o caminho. Contornamos as primeiras e somos perseguidos por motociclistas mascarados. Susto. Aceleramos.

Em uma das barricadas, centenas de pessoas protestam. Não há passagem, Estacionamos os WR-V e vamos conversar com os manifestantes. Lutam contra o projeto do governo peruano, chamado Tía María, para abrir espaço para uma mineradora na região. São agricultores históricos. Sabem das mazelas que a atividade mineradora pode causar para as suas vidas –poluição da terra e dos rios que irrigam suas plantações. Gritam palavras de ordem como “Agro Si, Mina No”. Um jornalista peruano entrevista os manifestantes para uma televisão russa. Ambulâncias e bombeiros passam. Há notícias de oito feridos desde os inícios dos protestos e das greves que pararam esse pedaço do país, há duas semanas. Os militantes conversam conosco. Têm discurso afiado e garantem que lutarão até o fim contra a chegada da mineração. Estão na paz. Mas não nos deixam passar.

Amyr e Joel interagem com os manifestantes. Ganham e empunham as bandeiras verdes, símbolo do protesto. Após quase duas horas, os manifestantes abrem caminho e seguimos viagem pela estrada ainda cheia de pedras – estas certamente estão lá devido ao protesto. Chega de emoções e atrações por hoje. A estrada para Arequipa é movimentada, cheia de caminhões e curvas. Escura. A vida fica melhor quando chegamos ao centro histórico da cidade, patrimônio da Unesco e endereço do nosso hotel.Após 6.500 quilômetros, os WR-V seguem cheios de energia, inteiros, prontos para chegar a Lima, daqui a três dias.

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Veja como foi o segundo dia da viagem 

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Fotos: Érico Hiller