O rio Paraguai, o Crocodilo Dundee, os chiquitos e os menonitas

Trajeto: Corumbá (MS) – Santiago de Chiquitos (BOL) – Santa Cruz de la Sierra (BOL)

Distância: 657 km

Piso: asfalto e terra

A expedição entra na Bolívia e vive um dia cheio de histórias: de um passeio de barco com o capitão Amyr, passando por um martírio na fronteira até um paredão dourado

O rio Paraguai de tanta beleza e tanto sangue foi o primeiro destino da expedição Pro Outro Lado da América no quinto dia de viagem. Amyr queria conhecer o curso d’água que motivou a mais violenta batalha já vista na América do Sul, a Guerra do Paraguai, na qual morreram mais de 350 mil combatentes. Quem nos recebeu na proa do barco em Corumbá foi o empresário Jorge Ribeiro. Um figura perto dos 60 anos, que exibe um dente de onça com raiz e tudo pendurado no pescoço e um sorriso juvenil. O empresário abriu seu barco para Amyr, Joel e Flávia, o trio que está levando os três Honda WR-V de Paraty, no Rio de Janeiro, para Lima, no Peru.

Ribeiro é tipo um crocodilo dundee. Grisalhos compridos, chapéu camuflado e um astral nas alturas. Levou a embarcação por meia hora pelas águas escuras do Paraguai. Enquanto curtia o passeio, Amyr, que nunca havia navegado ali, por três vezes colocou a mão na água e a lambeu. “Água doce”, disse o navegador, muito mais acostumado às porções salgadas do planeta. Perto da fronteira com a Bolívia, foi convidado pelo capitão para assumir o timão. Mostrou uma senhora intimidade ao, logo de cara,dar dois 360 graus, abrir um sorriso e deslanchar rio abaixo.

Se o deixassem, ia até o rio da Prata, onde o Paraguai desagua, e depois ainda subiria para Paraty. Mas era hora de voltar para a estrada e seguir rumo oeste. Pela frente, uma fronteira. E fronteiras são sempre legais. De um metro para outro, mudam os rostos das pessoas, muda o idioma, muda a moeda, muda a comida, mudam as roupas. Muda a gente. Mudamos. E isso é ótimo, apesar da chatice burocrática. Entre a saída do Brasil e entrada na Bolívia, entre documentos e licenças, entre carimbos e assinaturas, foram quase quatro horas de vai e vem. Inclusive a uns 10 quilômetros da fronteira, em uma espécie de delegacia de trânsito, foi preciso pagar 100 bolivianos (60 reais) por uma “orden de traslado”.

Bolívia vamos nós. E por uma estrada de concreto, a Ruta 4, ladeada por uma bonita vegetação. Maravilha, apesar da falta de acostamento, da sujeira plástica nas laterais, das vacas soltas naquela tranquilidade que só as vacas têm e das mil queimadas que cegaram e dramatizaram perigosamente o caminho. Curiosos são os pedágios bolivianos: ora cabines, ora barracas improvisadas, ora não passam de uma pessoa parada no meio da estrada.

Por volta das 16h, entrada à direita para Santiago de Chiquitos, um povoado de duas mil pessoas remanescente das missões jesuítas que floresceram nesse pedaço da Bolívia para catequisar os indígenas. Perto do que essa invasão europeia representou para os povos nativos, a experiência das missões até que fez bonito na Bolívia. Utilizando a música como forma de atrair os índios, os converteu de  maneira não-violenta e deixou uma herança musical que pode ser vista na escultura de um violino cravada no centro da praça central, diante da igreja, e nos festivais de música renascentista e barroca que desde 1996 acontecem por lá.

A luz do sol tingiu de dourado o paredão de uma montanha de pedra nos arredores de Santiago de Chiquitos. Saímos da roda e fomos até lá para ver, fotografar e filmar. Foi preciso sair do asfalto e levar os WR-V para mais um passeio na terra. E ele gosta. De volta à estrada, seguimos para Santa Cruz de la Sierra. Fomos parados pela polícia duas vezes e nas duas vezes solicitaram apenas a tal “orden de traslado”. À noite, todo carro é pardo, ainda mais na Bolívia, onde a maioria deles circula em estado precário, inclusive sem faróis e lanternas que o façam existir de longe.

Pouco antes de chegar, encontramos em um supermercado de beira de estrada com uns  20 jovens altos, loiros e de olhos claros. Uma visão de dar nó na cabeça quando se está em um dos países mais indígenas do mundo. São os menonitas, sobre quem não discorreremos muito neste texto. Basta dizer que são descendentes de alemães, falam alemão que alemão não entende, mas são bolivianos. São cristãos protestantes. Não podem usar tecnologia nenhuma – exceto o trator, com o qual plantam e sobrevivem.

Depois disso, eu adormeci e só fui acordar perto das 23h diante do hotel Nacional, no centro de Santa Cruz de laSierra, o mais importante centro econômico do país. Deu tempo apenas de pedir una hamburguesa para cada um e dormir.

 

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Fotos: Érico Hiller