No dia mais longo da jornada rumo a Puerto Toro, Amyr e Joel enfrentam ventos, fazem piquenique e conhecem a Defunta Correa e o Gauchito Gil

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Nada de um lado. Nada do outro. Na frente, uma reta interminável. Atrás, outra igual. 120 km/h cravados no piloto automático. Não é preciso acelerar. Brecar, apenas se aparecer outro veículo no caminho – episódio raro. Ou se um animal cruzar a pista – um pássaro, um coelho, um bicho desconhecido. Vez ou outra, eles surgem esmagados no asfalto. Um dia dedicado à estrada no começo do trecho da Patagônia argentina pode parecer monótono. A paisagem pouco muda, quase não há curvas e as cidades encontradas no caminho contam-se nos dedos das mãos. Só parece.

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Foram 1.093 quilômetros nessa toada. De Pedro Luro a Comodoro Rivadavia. A maior pernada da viagem até agora. Culpa do Amyr. O navegador não quis parar, como era combinado, em Puerto Pirámides, cidade-base para conhecer a Península Valdés. Um pedaço de terra pendurado na América do Sul repleto de elefantes-marinhos, leões-marinhos, pinguins, pássaros e, conforme a época do ano, baleias não faz a cabeça de Amyr. “Não vim aqui perder tempo em um lugar que dá pra ir com uma agência de viagem. Vamos para o sul”, bradou o navegador depois de convencer a equipe que é lá pra baixo, na Terra do Fogo, que está o verdadeiro tesouro da viagem. Dito isso, lá fomos nós para a estrada.

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O “nada” citado no primeiro parágrafo não é tão nada assim. Uma vegetação rasteira, com arbustos, esparrama-se até onde o olho alcança. Vai do amarelo ao verde escuro. Muda de tom conforme a luz. E balança bonita com o vento que sopra incansável – vindo do nordeste durante nossa passagem, segundo a bússola de Amyr. E o vento merece mais palavras. Ele não apenas despenteia cabelos e zune na orelha. Aqui, ele faz o motorista debutante na região arregalar os olhos e segurar firme no volante. Sabe quando em uma estrada um caminhão passa no sentido contrário e lança aquela corrente de ar? Pense isso acontecendo incessantemente. O vento é uma barreira invisível. O carro precisa vencê-la.

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Consequência evidente das rajadas de ar é o aumento do consumo. Antes da chegada da ventania, o computador de bordo do Honda WR-V mostrava excelentes 16,1 km/l. Uma hora nos mesmos 120 km/h sob efeito da saraivada de ar derrubou a média para ainda ótimos 12,9 km/l. Exemplo dessa força aparece nos conselhos dos mais escolados: ao estacionar, não ouse abrir a porta sem checar a direção e a força do vento. Ela pode entortar. “Já vi muito porta voando”, alerta Amyr. O navegador, diga-se, mediu a velocidade do vento: 27 nós, ou quase 50 km/h.

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Esse mesmo vento forte também tremula e rasga panos vermelhos espalhados pela estrada. Joel conta que as bandeiras reverenciam Gauchito Gil, soldado que, em resumo, virou santo popular ao ser morto depois de desertar. Flores, bebidas, cigarros, sapatos, peles de animal, pneus, peças automotivas e os mais diversos objetos são deixados no pequeno templo de beira de estrada. Até tampa de privada nós vimos. Defunta Correa é outra santa argentina não reconhecida pela igreja católica e que surge nos acostamentos. Conta a lenda que ela foi encontrada morta de sede depois de ir atrás do marido a caminho da guerra. Seu filho, no entanto, ainda mamava em seus peitos férteis. Os viajantes costumam deixar garrafas de água no altar da santa.

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Amyr aproveitou um recuo na estrada e parou para um piquenique, com sanduíches e sucos comprados em um dos cada vez mais escassos postos de combustível. O carro foi posicionado estrategicamente a fim de barrar o vento forte. Mais adiante, encontramos um ciclista brasileiro. Sozinho, ele vem pedalando há dois meses desde Campo Grande, Mato Grosso do Sul, a quase 3 mil quilômetros de onde encontramos, ao sul de Pedro Luro. “É o presente que me dei de 50 anos”. Ele desceria até Ushuaia para depois subir o continente até a Venezuela e voltar ao Brasil. Serão dois anos de viagem. “Por que? Porque isso que é viver”, disse antes de seguir viagem. Ivaney não tinha destino definido naquele dia. O nosso foi a cidade de Comodoro Rivadavia, onde chegamos quase a 1h da madrugada

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