Diário de Bordo – 18º dia from Portal ECOinforme on Vimeo.

No penúltimo dia de viagem, expedição conhece único morador de Puerto Navarino e vai até o último metro de estrada do continente americano

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Na última passagem de Amyr Klink por Puerto Williams, em 2014, o navegador deixou de realizar um sonho antigo. Ele estava com família e na hora agá, uma de suas filhas, sem motivo aparente, desandou a chorar. Para não incomodar os marinheiros que visitavam o local, o brasileiro preferiu se afastar e retornar ao Paratii 2, ancorado no Yacht Club Micalvi. Nesse sábado, dia 24 de março,quase quatro anos depois, Amyr voltou a Puerto Williams. Dessa vez, de carro. E não teve dúvida. Logo pela manhã entrou no HR-V e seguiu para tocar a proa do Yelcho.

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Yelcho é o navio chileno com o qual Ernest Shackleton voltou para resgatar os 22 tripulantes de sua malsucedida travessia antártica (1914-1917). Um pedacinho da dianteira da embarcação encontra-se diante do canal de Beagle e é reverenciado por navegadores de todo o mundo. Mas deixemos a saga do irlandês de lado. Depois de matar a vontade de tocar na proa do Yelcho, Amyr foi dar um passeio no Micalvi. Apesar de a marina estar com sua capacidade máxima – estamos no fim da temporada de viagens à Antártica –, não encontrou ninguém conhecido. Mas deu a dica: as noites de sábado no Micalvi costumam ser animadas.

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Entramos nos carros e por uma estrada que talvez ganhe o título de mais bonita da viagem fomos varrer o litoral norte da Isla Navarino. É uma sucessão de curvas ladeando o canal de Beagle,que reflete de forma primorosa as montanhas nevadas dos arredores. Tudo fica mais interessante quando Ushuaia surge no horizonte, do outro lado do Beagle. Estávamos lá na cidade argentina dois dias atrás, mas como não há balsa para carros, tivemos que rodar 618 quilômetros e cruzar a fronteira com o Chile para chegar à Punta Arenas e pegar uma balsa de 32 horas até Puerto Williams. E agora aqui estamos com Ushuaia ao alcance dos olhos.

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A primeira parada de hoje foi em Puerto Navarino, base da marinha chilena. Sebastian Acha, 29 anos, sua mulher e dois filhos, de 8 e 2 anos, são os únicos moradores do pedaço. Vivem em uma bela casa de frente para o Canal de Beagle. Acha escolheu o posto. Depois de passar anos embarcado, longe da família, resolveu pleitear ser o guardião de um dos últimos postos militares de seu país para ter mais tempo ao lado da família. Tem celular e internet, recebe provisões a cada dois meses e, ao lado da mulher, na falta de uma escola, educa os filhos.

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No caminho de volta para Puerto Williams, deu praia. O sol veio com vontade e decidimos parar o HR-V e o WR-V diante uma prainha de pedras. Pedras lindas, diga-se. Ao ver mariscos na beira da água, Amyr escolheu o mais suculento, sacou uma faca do bolso e mandou ver. Contou que esse tipo de molusco, preso às pedras, só existe dessa latitude para baixo e que se alimentou deles em suas andanças pela Antártica. De acordo com o navegador, são amargos quando comidos crus, mas deliciosos quando cozidos. Só uma pessoa da equipe teve coragem de provar o bicho, mas Amyr não deixou.

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Foi difícil ir embora da tal prainha. O sol, o visual, as conversas com Joel, as histórias de Amyr, o bom humor de todos…Mas ainda tínhamos muitos “compromissos” até o fim do dia. De volta a Puerto Williams, paramos na praça central (minúscula) para almoçar no Dientes de Navarino, restaurante que leva o nome de uma cadeia de montanhas espetacular de 1.118 metros de altitude que pode ser vista dali mesmo. A dica no Dientes é a empanada de centolla. É enorme, vem crocante e com queijo derretido misturado ao crustáceo desfiado. Custa 2 mil pesos (12 reais). O restaurante serve também uma deliciosa sopa de mariscos, tem boas cervejas e toca música colombiana sem parar.

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Já eram mais de 17h quando saímos em disparada para Puerto Eugenia. É nessa pequena estância, a 22 quilômetros de Puerto Williams, também diante do Beagle, que fica o último metro de estrada da América do Sul. “É o fim rodoviário do continente”, comemorou Amyr ao descer do HR-V e ser recebido pelo pescador Domingos Antonio, de 46 anos. Ele mora ali há um ano. Na verdade, dorme embarcado no Alejandra Maria III, um pequeno barco ancorado diante da fazenda dos patrões, criadores de ovelhas. Antonio não entendeu muito bem a felicidade da equipe ao chegar em um local tão simples e trivial para ele. Tentamos explicar, contando nossa saga desde São Paulo. Ele não deu muita bola. Preferiu contar, orgulhoso, sobre as 800 armadilhas para pegar centollas das quais toma conta. E revelou que era seu aniversário. Ganhou um boné da expedição e abraços de todos. Nos despedimos e seguimos felizes para o Fio Fio, nosso hotel em Puerto Williams. Não fomos checar se o Micalvi estava animado. Amanhã é dia de cravar a bandeira em Puerto Toro, este sim o vilarejo mais austral do mundo.

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