Modelo deve chegar ao Brasil em 2022 por R$ 120 mil. Por Homero Gottardello

Não me canso de dizer que o mercado brasileiro virou uma vala comum para desova de todo tipo de veículo que, no além-mar, está ou encalhado, ou ultrapassado ou, mesmo, à beira da descontinuação. Por razões óbvias, esse encaminhamento do que está “estocado” nos mercados mais qualificados é travestido de verdadeiro contributo tecnológico – uma enganação completa. E neste contexto, a bola da vez é o Renault City K-ZE, que nada mais é do que a versão elétrica do Kwid, também conhecida como Dacia Spring Electric, Venucia e30, DongfengAeolus EX1, Fengxing T1 ou Fengguang E1, dependendo do país onde é vendido e da marca que o comercializa. O importante, aqui, é informar o leitor, principalmente aquele mais crédulo, cuja ingenuidade o faz presa fácil para as campanhas publicitárias das montadoras, de que se trata de um produto de baixíssimo valor agregado, um EV de primeira geração, para não dizer um arremedo.

Na China, onde sua produção se concentra (na cidade de Shiyan), seus preços partem de 61.800 yuans ou o equivalente a R$ 53.900. Por aqui, vive de sonho quem espera um valor inicial abaixo de R$ 120 mil. Bom, diante de tudo o que se vê por aí, é bem provável que a mídia hegemônica o apresente como uma verdadeira pechincha, mas estamos diante de um veículo reprovado com louvor nos “crashtests” do EuroNCAP, principal e mais conceituado programa de segurança automotiva em nível mundial. No relatório final da mais recente bateria de testes do órgão, que avaliou 11 modelos elétricos vendidos na Europa, ele dividiu o título de “menos seguros entre todos os carros testados pelo órgão” com o irmão Zoe – que custa a bagatela de R$ 230 mil, no Brasil.

Muito inferior ao Zoe, o Kwid elétrico é equipado com um motorzinho de 45 cv (33 kW), capaz de levá-lo de 0 a 100 km/h em preguiçosos 19,1 segundos, com uma autonomia modesta, de 230 quilômetros sem necessidade de recarga das baterias de íon de lítio (de 27,4 kWh). O modelo, vendido na Europa como Dacia Spring, tem velocidade máxima limitada a 125 km/h. São números dignos do EV1, produzido pela General Motors entre 1996 e 99: além de bem menor que o modelo norte-americano, o Kwid E-Tech é 60% mais fraco e tem “alcance” apenas 2 quilômetros maior.

“Já foi informado pelo presidente da Renault do Brasil, Ricardo Gondo, que teremos um novo conjunto de motor/câmbio para o modelo que será comercializado no Brasil, desenvolvido levando em consideração as condições do país”, pontua o diretor de comunicação da montadora, engenheiro Carlos Henrique Ferreira. A informação vem a calhar, mas como, por enquanto, o único trem de força disponível para o modelo é este, seguimos nossa análise com aquilo que existe de fato.

“Nossas pesquisas revelam que 60% dos motoristas europeus usam seus automóveis exclusivamente para curtas distâncias. Não estou sugerindo que todos eles comprarão um Spring, mas estou certo que este é o tipo de veículo que os atende”, disse o presidente-executivo (CEO) da Dacia, Denis Le Vot, à revista britânica “Autocar”. Na França, por exemplo, ele custa o mesmo que um Sandero e, na Europa, seu maior cliente é a empresa de compartilhamento Zity. Se você leu em algum lugar que o compacto sino-romeno é um dos EVs mais vendidos do Velho Continente, não acredite, porque trata-se de uma mentira!

Com 13.341 unidades comercializadas entre janeiro e outubro deste ano, somados os números de 28 países, o Dacia Spring não figura nem entre os dez primeiros da lista dos mais vendidos – o Fiat 500e, nono na tabela, vendeu 31 mil unidades no mesmo intervalo. Outra mentira que se conta sobre o compacto é que ele usaria uma plataforma dedicada, o que não é verdade. O Kwid elétrico usa a mesmíssima base (CMF-A) de seus irmãos equipados com motor a combustão interna, que remonta ao ano de 2015.

De “decepcionante” a “racional”

“Por muitas razões, a aquisição do Dacia Spring só faz sentido para motoristas que raramente se aventuram em uma rodovia e só se deslocam pela cidade. A falta de um sistema regenerativo, durante as frenagens, é decepcionante, e a recarga completa das baterias levam quase 14 horas”, avaliou a revista eletrônica britânica “Electrifying”, encabeçada pelo editor Tom Barnard e pelos apresentadores GinnyBuckley, Nicki Shields e Tom Ford. “O objetivo da marca foi manter os custos no mínimo”, diz seu veredito. Já a portuguesa “Auto+” enxergou virtudes no modelo: “É uma opção racional para quem deseja converter-se à eletrificação. Por dentro, ele é simples, mas é bastante versátil, na cidade, e tem argumentos para satisfazer as necessidades de vários condutores”.

Mas há uma pergunta que nenhum portal, jornalão ou revista irá responder: afinal de contas, quanto custa o quilômetro rodado com um Kwid convencional e quanto custa este mesmo quilômetro rodado com a versão elétrica que pode desembarcar por aqui?

Bom, temos uma resposta bastante objetiva e, na ponta do lápis, a diferença é bastante sugestiva. Tomando por base o consumo urbano de 14,9 km/l, com uso exclusivo de gasolina, e o preço médio de R$ 6,24 para o litro do combustível (na Grande São Paulo), chegamos ao custo de R$ 0,42 para o quilômetro rodado com o Kwid Zen 1.0. Agora, tomando por base o valor de R$ 0,14 para o quilowatt-hora (valor do kWh sugerido pela Aneel), bem como consumo de 191 Wh/km, chegamos ao custo de R$ 0,03 para o quilômetro rodado com o futuro Kwid E-Tech. Ocorre que da mesma forma que o motorista não compra combustível, diretamente nas refinarias, temos que acrescer encargos, taxas e tributos que, na conta de luz, elevam o custo do quilômetro rodado com o compacto verde para R$ 0,10.